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Homem de Vitórias – Marlon Maia, cantor lírico | @marlonsmaia

Uruçuí, no Piauí, tem um Homem de Vitórias pelo mundo. Marlon Maia tem seus objetivos claros e faz de tudo para alcançá-los. Contudo, a paciência não é uma de suas virtudes. Ele se julga espontâneo, não esconde o que sente e sempre vive intensamente o aqui e o agora. Mostra-se um homem de ação, velocidade e decisão. Durante a entrevista, como na vida, ele esbanja alegria e contagia com sua ousadia e criatividade. Por minimizar seus medos, alguns podem ter dificuldade em lidar com sua personalidade e achar que ele seja exagerado ou um tanto dramático. As artes cênicas agradecem exatamente este fato, felizmente isso não é de todo verdade. Marlon é movido pela inquietação, não aguenta indecisões por muito tempo. Se diz apaixonado pela vida e entusiasmado por novas experiências. De uma conversa bem prazerosa extraímos as palavras que se seguem; que elas lhe sejam inspiradoras e educativas. Vamos a Berlim agora conhecer este impetuoso homem de coração com vontades puras, como a de tornar o mundo um local melhor pelo bel canto.

 

 

Marlon Maia by Roger Regner

Quem é Marlon Maia?

Alguém quem procura não ter nenhuma visão/definição/conceito muito rígido de si mesmo. Quero me manter mutável e adaptável. Dizem que na evolução do homem e da vida, os mais adaptáveis são os que sobrevivem. Quero viver para sempre, mas a única constante em mim é a impaciência!

O que você faz da vida?

Sou cantor lírico. Adoraria, no entanto, virar jardineiro, mas apenas pra mim. Adoro biologia, botânica etc. Jardinagem me acalma e me põe em contato com a natureza e com a minha comunidade. Comecei uma horta urbana como projeto pessoal em um canteiro da cidade, que chamou a atenção de alguns, inspirou a outros e tem envolvido e unido pessoas e instituições em minha comunidade.

A Flauta Mágica, de Mozart, na Inglaterra, Marlon no papel de Sarastro.

O que você estudou?

Vou contar uma história boa aqui. Como não poderia deixar de ser, comecei a estudar em Uruçuí. A eterna “agonia” (inquietação) me fez querer assistir as aulas do meu irmão dois anos mais velho do que eu. Tentei frequentar a sala dele; não deixaram. Eu odiava o jardim de infância. Não gostava das crianças da minha idade. Gostava de pessoas mais velhas, mais velhas mesmo! As percebia mais inteligentes e acolhedoras, além de divertidíssimas. Lembro do Sr. João Saturnino que era ourives: eu amava vê-lo trabalhando, derretendo os metais. Às vezes, ajudava-o com o fole de ar para atiçar o fogo. Bem, minha Tia Ziloca, que era diretora de escola, apiedou-se de mim e me levou pra estudar como ouvinte na escola que geria. Por esse motivo, me alfabetizei antes do tempo. Minha tia morria de medo que os meninos mais velhos me batessem, talvez soubesse o quanto eu era atrevido. Tempos depois, ainda em Uruçuí, aconteceu um encontro arranjado pelo Sr. Destino que mudaria toda a minha vida. Numa eleição nacional, houve um comício na minha cidade. O palanque era um caminhão. Meu pai decidiu comparecer e eu aproveitei pra me misturar com os adultos, claro! Comecei uma longa conversa com um senhor que assistia os discursos sentado. Era um ex-governador piauiense que então era deputado federal. Ao final de nossa conversa, ele me disse que havia gostado de mim e que me daria uma bolsa de estudos integral. Pediu que minha mãe o procurasse. Tratava-se do deputado Joqueira, João Climaco d’Almeida. A bolsa me levou ao Diocesano de Teresina, o que me possibilitou fazer vestibular para a Universidade de Brasília, onde estudei Direito. Não sei ao certo porque escolhi Direito… O mais próximo de uma explicação talvez seja o fato de gostar de escrever. Sempre achei que faria Odontologia. Na UnB, comecei o meu contato com canto clássico através de dois Corais: o de Letras e o da UnB. Mas o primeiro contato com o canto lírico foi em Teresina, em uma Igreja Adventista onde cantava uma amiga. Fiquei fascinado com a potência da voz humana e decidi que também queria cantar. A UnB me apresentou os meus primeiros professores de canto: Claudia Costa e Francisco Frias. Depois de me formar em Direito, fui procurar trabalho e decidi não mais fazer canto. Depois de um ano, percebi que pensava incessantemente em música e decidi voltar a estudá-la. Foi quando entrei na Escola de Música de Brasília – uma de minhas melhores experiências musicais até hoje. Fazia canto de noite e advogava de dia. Virei funcionário público na Justiça Federal, comecei a trabalhar com tradução inglês/português, o que me fez viajar para a Inglaterra para estudar inglês instrumental jurídico e onde terminei ganhando uma bolsa pra estudar canto no Birmingham Conservatoire, com Justin Lavender como professor. Na Inglaterra aprendi o caminho da Alemanha, onde hoje resido depois de uma volta ao Brasil.

Com o que você gasta seu tempo quando está fora dos palcos?

Jardinagem, fotografia, caminhada e esportes. Isso tudo me fortifica a alma e o espírito; me traz mais próximo da vida sem holofotes e me dá material real para até mesmo trazer aos palcos personagens mais autênticos, convincentes e plausíveis.

Você tem feito muitas amizades pelo mundo?

Poucas e boas. Conhecidos muitos, alguns deles acham até que são amigos… Amigo é algo mais profundo do que apenas sair pra beber juntos… Amigo pra mim é aquela pessoa a quem você contaria coisas que muito provavelmente não contaria nem ao padre nem ao psicólogo, tirando o devido colorido linguístico aqui empregado. É importantes poder saber que tenho alguém que sabe quem realmente sou. Celebro e mantenho minhas amizades perdoando e sendo perdoado. Esta é a dinâmica da vida! Tenho poucos amigos. Sou desconfiadíssimo. Coisa de gente da roça!

Marlon Maia com Andrea Chudak, soprano, e Tobias Hagge, pianista. Foto: Alex B. Adler

E o que falar sobre família?

Tenho a do mundo e a diretamente sanguínea. Falo de diretamente sanguínea porque acho que nós humanos somos todos um – e uma só família apenas. Ambas podem ser o céu e o inferno. Minha família sanguínea me deu o que acho que tenho de melhor enquanto cantor: minha genética, caracterizada na miscigenação da minha voz e do meu corpo, a eterna ingenuidade de menino da roça e a intrepidez selvagem que me mantém jovem. Falo de “o meu céu e o meu inferno” porque tanto me consola quanto me consome. É de onde venho, é de onde tenho os melhores momentos de segurança e felicidade da infância. Eles são tão maravilhosos e incômodos quanto as manhãs do mês de julho. Era um clima agradabilíssimo, mas que também levantava poeira que feria os olhos. Ou seja, podia ser também um inferno. Flora Maia, minha mãe, foi a primeira artista que conheci e o primeiro contato com as artes que tive através dos seus bordados e de suas rendas de bilro. Ela adorava cantar e tinha uma verve cômica imensa, que é o que acho que me faz gostar de papéis cômicos. Era impossível ficar sem sorrir do lado dela. Era uma verdadeira menestrel – e minha raiz teatral é muito medieval. Foi Dona Flora Maia que me inspirou com o seu jeito autenticamente nordestino de ser.

Onde está a sua fé?

Se for fé no sentido de esperança ou no sentido do que desejo de mais forte: tenho fé na bondade do ser humano. Sou uma eterna criança, nesse sentido. Embora muito desconfiado, acredito que as pessoas são boas, generosas, bem intencionadas. Decepções são naturais, mas não quero deixar esse meu lado mais pueril de acreditar e confiar no ser humano.

O que lhe dá força?

A morte. Meio filosofal? Deixe-me explicar: saber de minha finitude, na realidade, me acalma. Por ela ser uma certeza, isso me faz procurar ir além e viver cada dia mais e melhor, embora eu não saiba o que é realmente este tal de “mais e melhor”. Confuso? É, eu sei! Carpe diem. Ela é parte de um ciclo que gera transformação ou reinício. A morte é também como um encontro com uma certeza, que por mais assustadora que seja, é também consoladora. Acho que não é à toa que em alemão “cemitério” se chama “lugar de paz”, e de onde lhe falo agora e para onde vim plantar algumas sementes de flores silvestres, já que choveu durante a madrugada aqui em Berlim.

Carpe diem

Qual a sua definição de “Arte”?

Uma forma de comunicação técnica, espiritual, sensorial, intelectual e emocional. Também é uma atividade que me “cansa” mental e fisicamente. A advocacia só me cansava mentalmente. Por isso que misturei música com advocacia; para cansar também o corpo. Não consigo me ver apenas em uma atividade! Há algum tempo como cantor, adoro desenvolver meu lado ator e diretor de cena. Por esta razão, creio que a fotografia é onde exercito o meu lado diretor ao criar a cena que estou congelando na imagem. Tenho mania de simetria … tenho um certo encanto pela perfeição e pela circularidade do número três… Talvez seja as lembranças dos meus tempos de coroinha em Uruçuí, onde tanto ouvi falar da Santíssima Trindade.

E qual o papel da ópera em sua vida?

Ela é a atividade que usa minhas inteligências mentais e físicas como tanto gosto, entrelaçando-as. Ou uma atividade que mesmo odiando faria novamente. Eu sei, parece contraditório. “I Hate Music” de Leonard Bernstein ilustra bem isso! Veja a letra:

I hate music, but I like to sing
La, la, la, la, la, la, la, la!
But that’s not music!
Not what I call music, no sir!

Music is a lot of men with a lot of tails
Making lots of noise like a lot of females
Music is a lot of folks in a big dark hall
Where they really don’t want to be at all
With a lot of chairs
And a lot of heirs
And a lot of furs and diamonds!
Music is silly.

I hate music, but I like to sing

“Como cantor, adoro desenvolver meu lado ator.” Foto: spreebote-online.de

Eu odeio música, mas gosto de cantar
La, la, la, la, la, la, la, la, la!
Mas isso não é música!
Não é o que eu chamo de música, não senhor!

A música é um monte de homens com muitos smokings
Fazendo muito barulho como muitas mulheres
A música é um monte de gente em um grande salão escuro
Onde eles realmente não querem estar
Com muitas cadeiras
E muitos herdeiros
E muitas peles e diamantes!
Música é tolice.

Eu odeio música, mas gosto de cantar

Bem doido, não é? Bernstein é um gênio, um poeta. E os poetas põem letra nos sentimentos e confusões mentais que nos afligem. I Hate Music é um ciclo de cinco canções infantis para soprano e piano de 1943. O ciclo de canções é dedicado a seu amigo Edys Merril, que era seu colega de apartamento na época da composição. Seu colega supostamente repetia a frase “Eu odeio música” sempre quando Bernstein praticava piano ou treinava alunos. Então, estudar música é desgastante, mas alimenta a alma e o cérebro, além de divertir e te levar a conhecer lugares e pessoas inusitadas.  Mas, tenha certeza, que o dia chegara que eu não quererei cantar nem mesmo “Parabéns pra você”!

E como vai a sua saúde?

Assunto extremamente importante. Todo meu corpo é o meu instrumento de trabalho, não apenas a minha voz. Ela é apenas um resultado de quão são meu corpo se percebe. Cantar – arte, de uma maneira geral, mexe com a totalidade da existência do artista. Quero ser um bom cantor até mesmo em idade mais avançada. E isso pode ser possível com um corpo bem tratado, que se adapta e aprenda sempre. Sou meio ninja nesse sentido – e isso é bom e ruim. Tenho que estar constantemente atento a horários, metas, horários, frequências… Temos que ser atletas! Paga-se um preço caro pela vontade de querer fazer melhor. O lado bom é que parece que os benefícios tem sido gradualmente mais aplaudidos.

 

Um sonho?

Evoluir sempre – aprender sempre! Simples assim. Não parar… Ir além! “O mundo inteiro é um palco e todos os homens e mulheres não passam de meros atores. Eles entram e saem de cena – e cada um, no seu tempo, representa diversos papéis.” Quero representar o máximo e papeis possível, para não deixar William Shakespeare mentir. Não quero me engessar e achar que estou pronto. Ponto! Quero me desafiar sempre.

Marlon canta Nepomuceno

No concerto “Um Brasileiro em Berlim” Marlon canta Nepomuceno nas elegantes salas do Bode Museum.  “Sou um menino criado a rapadura devolvendo para Berlim a visão romântica que eles mesmos começaram no mundo,” comenta. Acima ouvi-se “Outono” (Herbst, em Alemão) no Soundcloud do cantor, gravado no Natal de 2017. “Sinto-me honrado em trilhar o mesmo caminho de um célebre brasileiro – e nordestino – aqui na Alemanha, e, a princípio, nem ter conhecimento total de sua trajetória na Europa,” pondera Marlon quando abordado sobre Nepomuceno.

O que você tem a falar sobre o “Amor”?

Dizem que os arianos vieram ao mundo para aprender o que isso é. Vamos fazer esta entrevista novamente em alguns anos, eu talvez tenha uma resposta…. Gostaria de ser daquelas pessoas que dizem “Amo isso; odeio aquilo!”, mas, nesse assunto, sou totalmente sem graça. Gosto de tudo ou gosto de nada, mas não sei dizer porque é assim. Até hoje não encontro nada porque me mataria, mas já encontrei pessoas que me fariam matar por elas… caso alguém as maltratassem. Sim, eu assumiria as consequências da punição legal. Talvez isso seja amor: se ferrar, com prazer, por alguém.

Alguma coisa lhe deixa triste?

Uma coisa me vem à mente agora: trabalhar sem paixão. Quando vejo pessoas trabalhando sem prazer, principalmente artistas, isso me entristece muito, de fato.

Algum medo lhe aflige a alma?

O de não ouvir a orquestra ou não estabelecer uma boa comunicação com o maestro ou com o diretor de cena, durante minhas apresentações. No resto, não tenho medos, conscientes, pelos menos, principalmente o tão temido medo de morrer, mas já tocamos neste assunto.

E o que você quer do futuro?

Casa, comida e roupa lavada. O que configura paz de espirito e tranquilidade. Estabelecer-me. Criar raízes e envelhecer em paz.

Sucesso significa o que pra você?

Significa conseguir os três itens mencionados acima – casa, comida e roupa lavada. É, tenho uma mentalidade meio franciscana, simplória, mas faço o dever de casa e tomo as precauções necessárias no presente e aprendo com o passado, vislumbrando um futuro estável.

“Jardinagem, fotografia, caminhada e esportes. Isso tudo me fortifica a alma e o espírito.”

Qual a sua maior saudade?

Tenho saudades das manhãs do mês de julho em minha cidade natal, quando tomava banho de rio. Dias ensolarados e de um vento maravilhoso. Dá um aperto no coração quando falo nisso….

O que você quer que as pessoas assimilem de suas palavras aqui, em termos gerais?

Que é preciso evoluir sempre, que não devemos nos tornar nada em definitivo – a vida nos dá muitas oportunidades – elas são para serem experimentadas, vividas, saboreadas! A vida imita a arte: luz, câmera, ação! Todos os dias o sol se mostra, somos vistos e vemos e podemos exercitar nossas mentes, corpos e emoções. Simplista? A vida é simples!

“A vida é simples.”

Qual a música que mais lhe toca a alma?

Definitivamente a ária Prólogo da ópera Pagliacci (Palhaços, em português), a tragédia épica do italiano Ruggero Leoncavallo (1858/1919). Nessa ária, o palhaço Tonio fala sobre o que é ser artista: alguém que, como o público que o assiste, é apenas um ser de carne e osso, apesar de toda a mágica que produz. Essa música me faz sentir que estou acalentando o público e que o consolo, como uma mãe extremamente generosa faria. Ela também me remete aos meus tempos de menino, em Uruçuí, cujo único teatro que tínhamos eram os circos mambembes imensamente pobres que passavam por lá. Sempre desejei ir embora com o circo e acho que por gostar dessas companhias mais simples e descomplicadas, me sinta tão bem em pequenas companhias. Não gosto muitos de grandes teatros e nem de muito glamour. Sou mambembe! Em empresas menores, nunca encontrei pessoas que não trabalhassem com plena vontade. As grandes são, em sua maioria, bem mais impessoais. Creio que me projeto nesta peça musical… A vida imita a arte ou é a arte que imita a vida? Bem, não importa agora! Temos sempre que entrar em cena. O show não pode parar! E o que vocês ouvem de mim aqui é só uma pantomima, não se assustem. No final das contas, eu também sou apenas um ser humano comum… que trabalha com a produção de magia… se diverte e procura aprender e entreter seu respeitável e amado público.

 

CURIOSIDADE – um cearense em Berlim

Alberto Nepomuceno, compositor, organista, pianista e professor (Fortaleza, Ceará, Brasil, 1864 – Rio de Janeiro, 1920)

Alberto Nepomuceno é o Patrono da Academia Brasileira de Música e considerado um dos principais compositores nacionalistas, defendia o uso da língua portuguesa na música clássica. Afirmava que “não tem pátria um povo que não canta em sua língua”.  Em 1888 parte para a Europa matricula-se no Liceo Musicale Santa Cecília de Roma. Participa, em 1890, do concurso que, após a Proclamação da República, iria escolher o novo hino nacional brasileiro. Obteve o terceiro lugar e uma pensão do governo que permitiu ampliar sua estada na Europa. Segue para a Alemanha, onde estuda na Academia Meister Schulle e no Conservatório Stern de Berlim.

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Márcio Correia

Graduado em Psicologia e Inglês, pela UMHB, nos EUA, e com cursos de aperfeiçoamento em gerenciamento e marketing feitos ao longo de sua vida, Márcio é um entusiasta e adora gente, cultura, festas e novidades. Já morou nos EUA por muitos anos e sempre que pode encontra novos lugares para conhecer. Acumula boas experiências nas áreas da música, moda, design, arquitetura e organização de eventos. Já foi colunista em um jornal local e atualmente organiza eventos sociais e empresariais, além de ser professor de inglês e assinar a coluna OCASIONAIS para o Portal ConceituAdo

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