A música ‘Terral’ de Ednardo nos embalará em nostalgia, sol, calor, água do mar e poesia como nossa música de fundo enquanto conhecemos uma grande, recatada, mas revolucionária mulher de vitórias. ‘Terral’ é a sua música favorita! Ela diz que quando a ouve, fica imaginando os cearenses que foram forçados a abandonar sua terra natal, deixando tudo para trás. “Sinto vontade de chorar, mas também sinto um orgulho imenso de ser cearense, de ter nascido nesse lugar abençoado. Essa música tem o poder de mexer com o coração e com a mente.” Conheçam a responsável por uma das ideias mais eficientes e louváveis em prol da herança cultural do povo fortalezense – Leila Nobre – criadora, dona e mantenedora de um blog e das contas Fortaleza Nobre no Instagram e Facebook. Enquanto uns destroem, ela tem construído a memória de nossa cidade há um pouco mais de uma década: uma paixão estimulada pelos momentos familiares que teve, especialmente com seu pai, e que ela cultiva e irradia através de aulas, palestras, escritos e postagens. Como o dia 25 de julho é o Dia Nacional do Escritor, esta é também nossa homenagem aos que fazem nossas mentes mais robustas com suas rimas, contos, relatos e criatividade!
Eu venho das dunas brancas
Onde eu queria ficar
Deitando os olhos cansados
Por onde a vida alcançar
Qual a história do Fortaleza Nobre?
Começou como uma ação natural e espontânea – apenas um hobby! Desde menina, eu gostava de escutar sobre a Fortaleza antiga. Meu pai era um saudosista e amava ficar falando da sua juventude e de como tudo havia mudado tão radicalmente. Foram tantas histórias e tantos bons momentos de pai e filha que elas acabaram empreguinando meu coração e mente e me deixando ainda mais curiosa. Eu queria saber mais sobre a minha cidade. Então, li o livro ‘A Normalista’ de Adolfo Caminha, e minha curiosidade explodiu. Passei a querer conhecer a Fortaleza ali narrada, descobrir as ruas de ontem na cidade de hoje, e foi quando comecei a colecionar fotos da capital e livros que contavam um pouco mais sobre a ‘loura desposada do sol’. O hobby ficou tão sério que em 2009, já com uma boa quantidade de material arquivado, tive a ideia de criar um blog, para compartilhar meu amor pela cidade com mais pessoas. Hoje, posso dizer que foi – sem dúvida – uma das melhores ideias que já tive. O Fortaleza Nobre tem aberto muitas portas. Conheci pessoas maravilhosas, escrevi um livro, participei de projetos incríveis, como a exposição “Corações e Mentes da Praia de Iracema” em 2011, fiz parte do projeto VÓS do Jornal Tribuna do Ceará em 2016, onde eu tinha uma coluna e falava sobre a cidade, com vários vídeos em pontos históricos, e, mais recentemente, colaborei com o Projeto Calçada Viva, no centro da cidade, na Rua Barão do Rio Branco, da Prefeitura Municipal de Fortaleza, com os quiosques temáticos, cada um trazendo um pouco da história de vários locais da cidade.
Há algum episódio marcante ao longo de sua vida de pesquisadora e historiadora?
Um belo dia recebi uma mensagem da Glória Perez por WhatsApp. Sim, a superpoderosa escritora, roteirista, produtora e autora brasileira ganhadora do Prêmio Emmy, e, ainda por cima, neta de avó cearense. Eu fiquei meio sem saber o que pensar… Ela entrou em contato querendo saber sobre o paradeiro de um primo seu, que havia morrido pilotando um avião que caiu na avenida Dom Manoel – um triste acontecimento em 1942 que ficou conhecido como O Caso Balalaika. Glória falou que já havia revirado tudo procurando reportagens sobre o acidente de seu primo e não havia tido sucesso; foi quando, pesquisando sites cearenses, achou o FN e entrou em contato. Após alguns dias de conversas e muita pesquisa, conseguimos montar seu quebra-cabeças pessoal e o assunto virou postagem no blog. Foi um momento investigativo bem gratificante de utilidade pública que pode confortar alguns corações. Foi – literalmente – glorioso ajudar!
Meu céu é pleno de paz
Sem chaminés ou fumaça
No peito enganos mil
Na Terra é pleno abril
Você pode listar algumas alegrias que o Fortaleza Nobre lhe trouxe?
Saber que ele já foi tema de monografias e de diversos trabalhos não tem preço. Amo receber e-mails de professores e alunos elogiando o conteúdo e dizendo que estão usando-o em salas de aulas. Quero que cada vez mais nossos jovens sintam esse amor por Fortaleza. Só assim, teremos mais pessoas querendo preservar nossa história, que existe, sim, apesar de muitos insistirem que não, e deve ser preservada. No Facebook, até agora somos 48.000 apaixonados por Fortaleza e sua história. No Instagram, como é algo mais recente para o FN, somos ainda 11.300 seguidores – mas vamos fazer isso mudar. Esse artigo e seus leitores podem ajudar e dar uma forcinha!
Como a maioria do meu público é de pessoas que viveram em algumas épocas relatadas no blog, grande parte dos comentários são de saudosismo, que acabam, inclusive, enriquecendo ainda mais a postagem, pois as pessoas contam detalhes que só quem realmente viveu o momento pode falar. Muitas reminiscências que eu não fazia ideia, mesmo pesquisando bastante sobre determinado assunto me chegam a partir de relatos de seguidores, material que é cruzado com outras informações e dados que levantamos e, muitas vezes, embasados por fotos, cartas e documentos da época.
Os mais jovens, geralmente chegam ao blog devido a algum trabalho da escola ou da faculdade e acabam gostando de conhecer a Fortaleza que o tempo levou e que tentamos preservar. A cidade passa, assim, de invisível a mais clara e significativa para muitos habitantes e visitantes de nossas mídias sociais.
Como nem tudo são flores, muitos se queixam do site ter seus textos bloqueados para cópia, mas é que eu já tive muita dor de cabeça com isso. Deixe-me explicar! Já cheguei a encontrar todo material do site em outro endereço. A pessoa simplesmente sugava tudo o que era postado no FN sem nenhuma cerimônia e jogava no outro endereço sem nem mesmo dar créditos. Tomamos conta disso! Outros também se incomodam com a marca d’água que cada foto carrega estampada. Como recebo muitas imagens de colecionadores que vendem suas fotos para o FN ou nos cedem o direito de divulgação em um acordo que temos, não posso simplesmente jogar na internet para serem usadas sem o consentimento do dono.
Qual um presente que a vida lhe deu?
Creio que estudar é o maior presente – o alicerce – a luz para alcançar nossos objetivos e ampliar nossa visão de mundo. É bem clichê, mas o conhecimento é a única coisa que ninguém pode tirar de nós. Sempre gostei muito de ler. Lembro que, todas as manhãs, meu pai acordava cedinho e ia comprar o jornal do dia. Era seu café da manhã. O presente que ele mais gostada de dar aos filhos eram revistinhas da Turma da Mônica e livros educativos. Sempre tivemos livros à nossa disposição. Mas, tivemos algo ainda mais importante: o exemplo de meu pai para seguir, que agora eu fico muito feliz em ter passado para minhas filhas. Elas vivem em livrarias, amam ler. Gostam de ganhar e insistem em presentear com livros. Um episódio curioso: quando minhas filhas mais velhas entraram na faculdade, elas começaram a motivar meu marido e eu para voltarmos a frequentar uma sala de aula. Nós estamos fazendo faculdade novamente: meu marido faz Serviço Social e eu História. Nossa casa virou a própria ‘casa dos estudantes’.
Mas você deixou de lecionar?
Não, o magistério é uma outra realização! Engraçado que nada nos prepara mais para ser professor do que estarmos em sala de aula. A relação professor/aluno é um aprendizado constante e uma troca extremamente enriquecedora. Amo preparar minhas aulas, e ver cada aluno aprender e colocar em prática o que foi ensinado é maravilhoso. Sempre que entro em sala de aula, é uma emoção diferente… Amo dar voz ao meu aluno; ouvi-lo me enriquece. O aprendizado, afinal, é uma via de mão dupla. Engraçado, também, é que eu sempre era a professora nas brincadeiras de criança. Hoje é minha profissão. Um sonho realizado!
Quando você está longe dos livros e das salas de aula, onde a encontramos?
Adoro o convívio familiar. Se for em Iparana, então, gosto ainda mais. Uma coisa que amamos fazer em família é maratonar séries e assistir filmes com toda pipoca, sorvete, pizza e refrigerante que temos direito. Como minha mãe e irmãos moram todos pertinho, sempre nos reunimos para cafés da tarde, almoços, e comemorações gerais da vida – e ainda convidamos alguns vizinhos… se bem que alguns nem precisamos mais convidar… Fizemos uma pausa pelo advento da quarentena, claro, mas sabemos que em breve nos aglomeraremos novamente!
Mesmo não sendo uma pessoa que está sempre saindo com os amigos – mal de gente caseira, sou amiga para todas as horas. É só chegar junto. Sou de fazer tudo para ajudar mesmo. Conservo amigos de longa data. Minha melhor amiga é filha de uma melhor amiga da minha mãe – amigo por aqui vira extensão da família. Hoje ela é madrinha das minhas filhas, é minha comadre querida, e é alguém com quem sempre posso contar. E ela sabe que sempre pode contar comigo também.
Minha família é meu alicerce, meu retorno feliz, meu ponto de apoio, minha fortaleza, minha preocupação e minha alegria. Sou privilegiada, pois minha família é muito unida, sempre fizemos tudo juntos, um dando força ao outro. Meus irmãos são meus melhores amigos. Minha família é grande, então qualquer pequena reunião se torna um acontecimento.
Eu tenho a mão que aperreia
Eu tenho o sol e areia
Sou da América, sul da América
South America
Eu sou a nata do lixo, eu sou do luxo da aldeia
Eu sou do Ceará
O que lhe aperreia o coração?
Saudade. Eita sentimento complicado de decifrar… Tenho muitas saudades, saudades do que não vivi, do que não conheci, saudades das pessoas que se foram: meu pai, meu irmão, meus avôs, meus tios, meus amigos… Saudades da criança que fui, saudades da época de escola, dos meus professores, dos meus colegas, do cheirinho da comida de minha avó, dos domingos na praia com minha tia e irmãos, da época de namoro com meu marido, quando não tínhamos nenhuma preocupação, além de sermos felizes. Saudades das minhas filhas bebês, saudades do barrigão de grávida, dos banhos de mar na praia do Meireles nos meses de fevereiro e maio… Eita palavrinha complicada de decifrar…
O que é Fortaleza para você?
Cidade amada. Melhor lugar do mundo, apesar de todos os problemas, que não são poucos, eu não conseguiria viver plenamente feliz em outro lugar. Minha raiz é profunda, fui plantada nesse solo e aqui quero permanecer. Além de toda beleza natural, nosso povo é descomplicadamente feliz e acolhedor, um povo forte, que apesar de toda diversidade, coloca um sorriso no rosto e vai à luta. Falar de Fortaleza é difícil! É como falar de filho, você sempre vai procurar o melhor, sempre vai olhar através do melhor ângulo. Não é ser cega; tenho plena consciência que temos muito o que melhorar, estamos longe de ser a cidade sonhada por seus moradores, mas é aqui que sou feliz! Somos um povo hospitaleiro, lutador e apesar de todas as dificuldades, leve e espontâneo. Somos um povo que ri “na cara do perigo”, que faz piada com tudo – é como se ser brincalhão fosse um escudo protetor, nossa salvaguarda contra a desigualdade social e todas as dificuldades que o Nordeste enfrenta.
Aldeia, Aldeota
Estou batendo na porta pra lhe aperrear
Pra lhe aperrear, pra lhe aperrear
Eu sou a nata do lixo, eu sou do luxo da aldeia
Eu sou do Ceará
Quais os seus nobres sonhos, Senhora?
Primeiro – ver minhas filhas se realizando pessoal e profissionalmente. Segundo – continuar sendo muito feliz no meu casamento. Este ano, Maciel e eu comemoramos 22 anos de casados: bodas de louça. Belas, frágeis, delicadas, mas já cheias de histórias para contar e mostrar. Terceiro – escrever meu segundo livro. Quarto – construir o acervo físico do Fortaleza Nobre. Quinto – continuar transmitindo conhecimento, seja em sala de aula ou através das redes sociais. O futuro precisa ser planejado agora. Não podemos querer colher sem plantar. Tudo que fazemos hoje irá refletir lá na frente. Então, que a gente plante coisas boas agora.
Qual a sua palavra final?
É de extremo valor incutir, desde cedo, nas mentes e corações de nossas crianças e jovens o amor pela cultura, o amor pela nossa terra, e por nossa história, de forma geral. O saber empodera mais que tudo! É tão importante aprender sobre o Egito quanto aprender sobre o Brasil. É tão importante aprender sobre a Babilônia como é de fundamental importância se informar sobre a cidade em que vivemos. Quanto mais sabemos sobre nós mesmos, melhor nos posicionamos diante do mundo. Devemos ler mais; a leitura amplia horizontes. É sempre mais benéfico sair de nossa zona de conforto e buscar aprender coisas novas. Há aventuras maravilhosas ao nosso redor. Os primeiros passos podem até incomodar, mas a caminhada ensina e colore a existência com tintas, cheiros e sentimentos que muitas vezes nos surpreendem. Mas temos que nos mexer, nos deixarmos sensibilizar e fazer acontecer.
A Praia do Futuro, o farol velho e o novo
Os olhos do mar
São os olhos do mar, são os olhos do mar
O velho que apagado, o novo que espantado
O vento a vida espalhou
Luzindo na madrugada, braços, corpos suados
Na praia fazendo amor