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Homem de Vitórias – Sérgio Zanck | @zancksergio

Sergio Zanck é natural de São Paulo capital, mas se mudou para o mundo… o das artes, especialmente, e mora hoje em Buenos Aires, Argentina. Ator, produtor, professor e pesquisador de Teatro, ele é ousado e mescla o que tem que dizer e fazer com um certo humor, um pouco de doçura e embala tudo com o poder redentor das artes que domina… ao passo que se deixa dominar por elas também! Extremamente articulado, ele fala sem medo – literalmente – sobre tudo que lhe foi sugerido aqui falar.  A transcrição é quase que totalmente fidedigna, mas completamente autorizada pelo mesmo. Imagine agora um leão, com sua juba, sua altivez e sua autoconfiança passeando livremente sobre um vasto campo. Essa imagem representaria nosso entrevistado, um leonino típico. E é mais ou menos assim que Sérgio se sente – o rei do pedaço. Como todo artista, Sérgio adora o aplauso das multidões e faz tudo para recebê-los. Ele é confiante, altivo, criativo, quase um ser mitológico. Diz-se romântico, idealista e leal. As pequenas tarefas do dia a dia não são o seu forte. Prefere projetos mais ambiciosos! Mostra-se sempre otimista, alegre, intuitivo, carismático, forte e decidido. A par disso, veja se você percebe tudo isso lendo o artigo abaixo sobre Sérgio Zanck, o Homem de Vitórias da vez!

 

Sobre a sua origem

“Nasci e cresci na Zona Norte da cidade de São Paulo. “Sou um punk da periferia, sou da Freguesia do Ó.” Meu pai era mecânico de automóveis. Sempre teve suas próprias pequenas oficinas. Morreu em 2016, com 69 anos. Ainda trabalhando e quase sem nada de bens materiais. Deixou um carro de um cliente desmontado em sua oficina. Não nos deixou nada de material, mas me ensinou muito… Sonho com ele ainda hoje quase toda semana. Minha mãe, sempre foi professora da rede pública do município de São Paulo; hoje é diretora de escola, ainda na rede pública. Ela trabalhou três turnos a vida toda. Hoje com quase 70, e um monte de problemas de saúde, segue trabalhando. Meus pais me ensinaram os valores básicos que todos os pais deveriam ensinar, penso eu, como respeito, honestidade e o valor real do trabalho. Tive uma infância tranquila, de ir pra escola andando e brincar na rua depois de acabar as lições. Comecei a trabalhar aos 14 anos, por opção e nunca mais parei. Trabalhar é, antes de tudo, transformar a realidade material e melhorar o mundo. Tenho pena e raiva de quem vive de explorar o trabalho dos outros, e cada dia mais penso que esse é o grande mal do mundo.”

Sobre os seus estudos

“Ainda jovem, com 13 anos, entrei em uma escola técnica que ficava no centro da cidade. Isso me abriu o mundo! Aprendi a andar sozinho em São Paulo, a maior cidade da América Latina. Fiz amigos que tenho até hoje, e aprendi um ofício: Mecânico Industrial, que me sustentou até meus 20 e pouco anos. Depois fiz outro curso técnico de Segurança no Trabalho e comecei uma faculdade de Engenharia Mecânica, que abandonei no segundo ano, para estudar Arte. Já tocava em uma banda por lazer. Isso ficou cada vez mais sério e da Música passei para o Teatro. Fiz curso técnico de Teatro, de Música, Faculdade de Rádio e TV, e duas pós graduações em Teatro e Arte Educação. Escrevi dois livros nessa área, que foram premiados pelo governo do estado de São Paulo e o Governo Federal do Brasil. Por último, fiz em 2018, uma especialização em Teatro Físico e de Máscaras em Buenos Aires, Argentina, onde vivo hoje e sigo me dedicando à pesquisa do Teatro de Máscaras.”

São Paulo, SP, Brasil

Sobre fotografia

“Gosto muito. Tenho Fotografia como parte da minha formação profissional. Tenho um bom equipamento e o uso muito, tanto para fotos quanto para vídeos, mas tudo quase que totalmente direcionado ao teatro. Tenho amigos fotógrafos que reclamam que a fotografia se banalizou com a chegada dos smartphones e aplicativos… Bem, entendo o ponto de vista deles, mas acredito que todo conhecimento humano deve ser compartilhado e popularizado o máximo possível.”

Sobre seu tempo livre

“Gosto muito de cinema, teatro, série e música…. Mas automaticamente me coloco a trabalhar, mesmo que seja mentalmente, quando estou em contato com qualquer “peça” artística ou de entretenimento…. Então, como passatempo, eu prefiro caminhar, principalmente se consigo estar perto da natureza, viajar, acampar – amo viajar de moto. E, muitas vezes, meu melhor passatempo é definitivamente fazer NADA! É raro, mas sempre tento tirar um dia no mês para não fazer nada o dia inteiro.”

“Amo viajar de moto,” diz Zanck.

Sobre suas amizades

“Tenho muitos amigos. Mas com nenhum tenho uma relação de intensa proximidade, digo, de sair sempre e fazer tudo junto sempre. É que não gosto muito de festas, badalações e ambientes com muita gente… talvez pelo fato de meu trabalho, em que sempre estou cercado de muita gente, dedicando muita atenção e energia para que o “público” esteja feliz.  Quando posso escolher, nos meus momentos de lazer, prefiro estar sozinho ou com poucas pessoas. Tenho muitos amigos, de muitos anos, inclusive, mas nos relacionamos com menos encontros e com muito mais qualidade em cada encontro.”

Sobre família

“Já falei um pouco dos meus pais, na resposta sobre origem. Além dos meus pais, tenho uma família pequena. Uma irmã e uma sobrinha. E esse pequeno núcleo da minha família é muito distanciado do resto da família, como tios, primos, etc… por diferenças de pensamentos e de nossas rotinas acabamos nos afastando. Por está sempre viajando, eu acabei criando outros laços familiares com meus elencos, meus alunos… Acredito que família são as pessoas que te escolhem e te cuidam. Assim, todos ficam felizes e não há cobranças.

Sobre sua fé

Tenho muita Fé. Acho que aqui no mundo ocidental, as pessoas confundem Fé com Religião. E penso que não tem nada a ver.  Parece-me que no oriente se tem uma outra visão disso…. mas só sei também por relato de pessoas de lá, eu mesmo nunca fui pra saber. Mas principalmente no Brasil, a Igreja é tratada como uma instituição política e capitalista. E sobretudo as religiões dominantes são intolerantes, totalitaristas e, a meu ver, causam muito mais mal do que bem. Nada disso tem a ver com fé. Inclusive acredito que quanto mais a pessoa fala em nome da Fé, menos ela a tem de verdade. Fé se tem e pronto, não se fica falando, vangloriando e usando de moeda de troca. Se tem, e se sente, simples assim.

Sobre Fortaleza

“Amo! Estive em Fortaleza duas vezes por trabalhos. Me pareceu energeticamente muito parecida com São Paulo…  Algo cosmopolita, linda e, ao mesmo tempo, misteriosa e perigosa pra alguns mais ingênuos. Moraria em Fortaleza tranquilamente! Estou sempre aberto aos convites de trabalho ou lazer, Terra da Luz!

Fortaleza, Ceará, Brasil

Sobre o Brasil

Um gigante, de verdade! Um continente. Viajei quase todo o Brasil trabalhando com circo e teatro… e agora viajo a América do Sul… Passei por quatro países e o Brasil segue sendo infinitamente maior.  Também, depois que vim morar na Argentina, percebi que no Brasil estamos de costas pro resto da América. Não fazemos intercâmbios culturais e acreditamos nas besteiras que a mídia de massa nos vende sobre nossos vizinhos… grande perda. Se eu tivesse esse entendimento antes, já teria viajado para fora mais vezes. Também acho que o povo brasileiro não se dedica a entender política como deveria. E ignora a questão racial como dado formador da realidade do país. Para mim, o Brasil segue sendo uma colônia, e a escravidão nunca acabou, só mudou de nome e de roupa. Sinto muita pena e tristeza pelos rumos que o país tem tomado, meus conhecidos argentinos têm me dado os pêsames pelo que se passa no “meu país” e eles têm razão.

Sobre a globalização

“Teoricamente incrível. Intercâmbios culturais instantâneos. E eu como artista uso e abuso disso. Mas seu lado perverso é que, como todas as outras instituições, está corrompida, e serve aos interesses de alguns acumuladores e exploradores. Um exemplo prático: investigue um pouco sobre a realidade dos entregadores de comidas e compras dos aplicativos. É a globalização a serviço da modernização da exploração do homem pelo homem… quem disse que a escravidão acabou? Ela só se tornou virtual.

Centro da cidade de Buenos Aires, Argentina, cidade em que Sérgio Zanck mora no momento.

Sobre saúde

Muito delicado falar de saúde…. Especialmente eu que não sou da área médica… Enfim, me considero um privilegiado, porque, dentro de todas as minhas dificuldades, posso escolher o que como, fazer exercícios, dormir bem… Por ser ator, considero meu corpo minha principal ferramenta de trabalho; por ser humano, considero meu corpo minha embalagem e minha nave nesta vida, então o trato o melhor possível…. Nunca fumei, não uso drogas, não como carne, não bebo em excesso e pratico exercícios regularmente. Mas isso é participar, não sou da militante geração saúde.

Sobre a vida

Que subjetivo… Vida? Uma jornada! Uma fase dentro de uma existência maior que não temos conhecimento enquanto estamos vivendo.

“Vida? Uma jornada!”

Sobre a pandemia

“Já coordenei oficinas de teatro em diversas instituições públicas e privadas por este mundão. Estou tendo que me adaptar e às minhas criações para o universo digital em decorrência do novo corona vírus. Eu trabalhava com quatro espaços culturais e desses quatro; três delas já entraram em falência. Dou muitas aulas sobre a história e feitura das máscaras. Engraçado que a máscara é considerada um acessório importante na prevenção contra a Covid-19, mas a relação do ator com elas, tem uma outra dimensão. Dei uma oficina online “Aproximação as Máscaras em Tempos de Isolamento”. Senti que o universo online tem gerado muito mais esforço em horas de trabalho para o artista/facilitador. Falei sobre isso em uma entrevista para a Universidade Metodista de São Paulo. Você tem que preparar muito material extra com antecedência – são muitas outras ferramentas exigidas pelo mundo virtual, e para quem não é muito familiarizado com tecnologia, isso gera ainda mais preocupações. Para um artista acostumado com o calor do público frente a frente, fazer a adaptação da sua linguagem para o mundo virtual é bem difícil, porque especialmente o teatro depende do encontro presencial. Estamos levando. E que venham as curas da alma e as do corpo, mesmo que aos trancos e barrancos. O shows dos palcos, como os da vida, não podem parar!”

Oficina sobre a história, a feitura e o uso de Máscaras no Teatro

Sobre sonho

Um mundo sem desigualdade social. E aqui pôde-se ler sem desigualdade econômica… ou também fim dos ricos e do capitalismo. Falo isso rindo, mas é muito sério, e com muito embasamento teórico. Eu tenho absoluta certeza que a desigualdade econômica e social e a luta de classes são os maiores maus criados pelo ser humano. Sonho com um mundo sem isso. Com outra lógica. Um pensamento verdadeiramente HUMANO!

Sobre medo

Já tive muitos. Quase todos injustificáveis. Faz tempo que não temo nada. Larguei toda minha vida e alguma estabilidade financeira pra começar tudo de novo na Argentina. Assim, não sei bem se ainda tenho algum medo. Nunca nego se sinto medo, mas não deixo de dormir bem por isso….

“O show – como a vida – não pode parar!”

Sobre sonhos

É perfeito sonhar… e mover-se constantemente pra construir um novo mundo…. Mas o mundo em que estamos, mau ou bom, bonito ou feio, é a construção de um sonho de muitas pessoas que já se foram… e ao mesmo tempo é a matéria prima pra nós que estamos agora criarmos um mundo novo… Como sonhar no meio da perfeição? É impossível! Por isso a realidade é linda! Ela é a nossa base e nos serve como desafio… sempre!

Sobre o futuro

Não penso mais sobre o futuro. Já pensei muito. Já fiz muitos planos, mas a vida, a REALIDADE…. é muito maior e mais forte. Faço como os budistas: vivo o agora, o mais intensamente que posso. O futuro nunca chegará. E quando ele chegar, já não será futuro… será presente. Por isso, me preocupo com o meu presente.

Sobre sexo

“Sim. Obrigado. Quero. Brincadeira! Valorizo muito o sexo. Gosto muito. Já o pratiquei bastante… e tem essa lenda que os artistas são super liberais no sexo, né? Pois é, não sei sobre os outros artistas… eu sou! Brincadeiras à parte, como qualquer outra ação da vida em sociedade, o sexo também vai mudando muito em nível de importância na vida da pessoa de acordo com sua idade e com o seu grau de maturidade. É outro assunto que é mal compreendido e usado como meio de exploração e enriquecimento na nossa sociedade… infelizmente! Acho que tem muito tabu em volta do sexo, mas eu o vejo como uma necessidade básica de um ser vivo, como comer ou dormir… se as pessoas fossem mais puras… tratar desse assunto seria mais simples.”

Sobre viagem

“Amo viajar. Se pudesse passaria a vida viajando. E eu adoro estar – de verdade – nos lugares, viver a vida com as pessoas que movimentam os lugares, saber dos costumes, das artes… Viajei todo o Brasil e agora já quatro países da América do Sul, mas boa parte dessas viagens por trabalhos… e me sinto um privilegiado por isso! Seria um sonho viver viajando…”

Sérgio em Las Cuevas, Mendoza, Argentina

Sobre saudades

“Raul Seixas tem uma frase que eu gosto muito: “Quem dera eu fosse burro, não sofreria tanto.” Tenho saudades de ser criança e ingênuo. De quando eu pensava que os adultos sabiam o que faziam e tinham as respostas pra tudo. Que existiam heróis e que eles sempre venciam os bandidos. Tenho saudades da sensação de quando vi teatro pela primeira vez! Tenho saudades de muitas sensações de fazer uma coisa pela primeira vez. Tenho saudades de um mundo simples, como se visto pelos olhos de uma criança.”

“Tenho saudades de ser criança e ingênuo.”

Sobre arte

“É minha vida. É o que mudou minha vida. Mas tenho um conceito próprio sobre arte: para mim, arte é algo que leva uma mensagem, e de alguma forma, mexe com a estrutura de uma pessoa, ou ensina algo, ou cria uma dúvida, ou gera uma reflexão… Existem muitas “peças” (músicas, pinturas, livros, filmes) que não são arte… que são objetos de entretenimento apenas. Nada contra! Essas peças também têm seu lugar na sociedade… Eu mesmo já produzi muito material que é apenas entretenimento e tudo bem, mas arte, arte mesmo, movimenta algo dentro da gente!”

“Arte: é o que mudou minha vida!”
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Márcio Correia

Graduado em Psicologia e Inglês, pela UMHB, nos EUA, e com cursos de aperfeiçoamento em gerenciamento e marketing feitos ao longo de sua vida, Márcio é um entusiasta e adora gente, cultura, festas e novidades. Já morou nos EUA por muitos anos e sempre que pode encontra novos lugares para conhecer. Acumula boas experiências nas áreas da música, moda, design, arquitetura e organização de eventos. Já foi colunista em um jornal local e atualmente organiza eventos sociais e empresariais, além de ser professor de inglês e assinar a coluna OCASIONAIS para o Portal ConceituAdo

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