Pedro Fontenele é um mestre em Filosofia Política pela Universidade Federal do Ceará que recentemente retornou da Irlanda, onde foi trabalhar e estudar como parte de um intercâmbio cultural há muito desejado e meticulosamente planejado. Com essa bagagem acadêmica e experiência internacional, Pedro certamente trará novas percepções e perspectivas para seus alunos e colegas. O Homem de Vitórias da vez nos fala sobre sua experiência além-mar, seus sentimentos e seus pensamentos com todo a eloquência, simplicidade e brilhantismo que um acadêmico deve mostrar, mas sem quaisquer ares de superioridade. Realizar uma viagem – curta ou longa – pode trazer diversas vantagens enriquecedoras, tais como expandir seus horizontes culturais e emocionais, aprender sobre novas culturas e costumes, ganhar experiência profissional, despertar a criatividade, desenvolver empatia e confiança, estabelecer novas conexões e até mesmo obter benefícios para a saúde física e mental. Constatamos facilmente em conversas quotidianas que pessoas que viajam geralmente adquirem benefícios que podem proporcionar um crescimento pessoal significativo. Vejamos como a vivência de Pedro Fontenele no exterior colaborou para a sua ampliação de horizontes pessoais, acadêmicos, profissionais e culturais.
O que Pedro falaria dele mesmo para se apresentar?
Não gosto muito de falar de mim mesmo. Prefiro que as pessoas me conheçam não por mim, mas pelos meus projetos, livros, aulas, palestras etc. Mas, já que tenho que falar de mim, vamos lá! Sou muito compenetrado nos meus objetivos profissionais, ao ponto de deixar todo o resto de lado. No começo, achei que isso seria benéfico para mim. Afinal, minha carreira poderia progredir mais rápido, ao mesmo tempo em que estaria livre dos transtornos gerados pela família, amigos e relacionamentos amorosos. Nunca neguei a importância deles, mas colocando tudo na balança, na fase da vida em que me encontrava, eles não estavam trazendo um saldo muito positivo. Era assim que pensava até mudar de ideia depois de um intercâmbio que fiz para a Irlanda. Lá passei quase todo o meu tempo trabalhando e estudando apenas. Quando chegou o último mês de intercâmbio, eu poderia ter aproveitado para passear e me divertir finalmente. Meus colegas intercambistas costumavam fazer isso – tirar um período para viajar à Europa, conhecer novos lugares e aproveitar a vida. Eu poderia ter feito o mesmo, se não fosse um detalhe: eu simplesmente não tinha ânimo para isso. Percebi que, fora da minha carreira profissional, sem meus estudos e minha vida acadêmica, eu tenho uma certa dificuldade em saber como lidar com a vida. Por conta dessas minhas questões mal resolvidas e no meio do inverno chuvoso e sombrio da Irlanda, meu último mês de intercâmbio foi um tanto quanto frustrante. Agora vejo que deixar a vida ser completamente absorvida pela carreira ou pelos estudos não é algo saudável. O mercado profissional para quem quer viver de pesquisa acadêmica no Brasil é bastante restrito e concorrido, exigindo enorme dedicação. Mas se a sobrevivência nessa realidade hostil absorver 100% da vida, que sentido essa vida tem? O velho Aristóteles dizia: a verdade está no justo meio. Quase vinte séculos depois, o alquimista Paracelso chegava numa conclusão semelhante: a diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem. O problema que ainda persiste é: como encontrar uma boa balança?
Qual a sua formação acadêmica?
Sou bacharel em filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e mestre em filosofia política pela Universidade Federal do Ceará. Fui professor de filosofia na mesma universidade em que me formei (UECE) e também na UNIFOR e na Estácio. Atualmente, estou me preparando para fazer meu doutorado no exterior.
Fale sobre a sua família.
Meu relacionamento com minha família é um bom exemplo do que em filosofia chamamos de “dilema do ouriço”, idealizado pelo filósofo Arthur Schopenhauer. No frio intenso, ouriços que se aproximam uns dos outros para se aquecer acabam se espetando caso cheguem perto demais. A família é como um grupo de ouriços que costuma viver muito perto uns dos outros. Do mesmo modo que podem se ajudar e se confortar, também podem se magoar e causar grande sofrimento uns nos outros. Para Schopenhauer, tiramos melhor proveito do relacionamento com nossos semelhantes quando encontramos uma distância adequada: nem tão longe para nos deixar com frio, nem tão perto para nos ferir mutuamente. O problema é que essa distância muda de tempos em tempos, dependendo de nossa condição psicológica e emocional. Apesar disso, diria que a família vale o esforço de estar constantemente buscando essa proximidade ideal, ainda que leve o tempo de uma vida.
E como foi a sua experiência na Irlanda?
Na Irlanda, meus trabalhos me renderam as experiências mais marcantes. Assim que cheguei, para desenvolver meu inglês, busquei arrumar um serviço que envolvesse atendimento ao público. No verão, trabalhei como “scooper” em uma sorveteria (“scoop” é a colher para servir sorvete, “scooper” é quem serve o sorvete). Atendia pessoas do mundo todo, em contato com o inglês falado nos mais variados sotaques. Infelizmente, não fiquei muito tempo nesse trabalho. Era muito desgastante e não compensava financeiramente. Além disso, o clima frio e chuvoso da Irlanda não favorece as sorveterias. Arrumei, então, um emprego como garçom, em um restaurante onde trabalhei até o fim do intercâmbio. Pagava melhor, apesar de ser mais estressante. Por conta de minhas condições adversas – trabalhava em uma língua, cultura e profissão bem diferentes das minhas. Isso dificultou a minha adaptação. Como minha formação acadêmica e bagagem profissional não serviam naquele contexto, meu trabalho valia menos do que o de meus colegas irlandeses de 18 anos, que trabalhavam lá há bem mais tempo, no próprio idioma e cultura. No geral, todos me tratavam com educação, embora tenha sofrido com o choque cultural. Meu último mês de intercâmbio foi em dezembro, época em que o movimento nos restaurantes aumenta muito, e eles precisam de bastante mão de obra. Como já havia concluído meu curso de inglês e não tinha vontade de viajar, passei esse período trabalhando em tempo integral. O custo de vida na Irlanda é alto, e essa era minha última oportunidade de compensar todos os gastos que fiz. Minha vida passou a ser aquele restaurante, porque ficava lá o dia inteiro, praticamente todos os dias. Por conta do movimento alto, o trabalho ficou ainda mais árduo. Foi assim, então, que passei o Natal e meu aniversário. No final, cumpri meu objetivo com o intercâmbio. Apesar de alguns dissabores, desenvolvi bastante meu inglês. Agora posso realizar com segurança as aplicações para o doutorado nos EUA.
Como você se sente sobre lecionar?
Na escola, enquanto meus colegas detestavam ter que apresentar qualquer coisa para a turma – como seminários ou fazer exposições, por exemplo – essas eram justamente as atividades que eu mais gostava. Reparei que eu aprendia mais me preparando para apresentações do que estudando para mim mesmo. A impressão que tinha (e ainda tenho) é que fico um pouco mais inteligente quando estou apresentando algum conteúdo em público. Sinto que meu raciocínio funciona melhor e entendo as coisas mais claramente. É uma sensação muito gostosa. Não é algo apenas psicológico, porque eu realmente aprendo muito durante minhas próprias aulas e incorporo esse aprendizado no planejamento das aulas seguintes. Adoro expandir o conhecimento dessa forma, tanto o meu, quanto o de meus alunos. Desde cedo, descobri a paixão por pesquisar, escrever e ensinar. Aprendi também que essas três atividades funcionam melhor quando realizadas em conjunto. Não conheço outra carreira que se dedique mais a isso do que o magistério. O que mais me motiva como professor é a oportunidade de transmitir de maneira instigante conhecimentos valiosos que costumam ser difíceis de aprender. Gosto de despertar nas pessoas a vontade de querer saber mais, principalmente quando se trata de temas considerados desafiadores. Sem motivação, a aprendizagem se torna quase impossível. Defendo que a melhor forma de motivar os alunos é pelo exemplo. Os alunos precisam enxergar no professor alguém que valoriza o que está ensinando. Esse é o primeiro passo para os alunos se importarem com o que estão aprendendo. Sempre gostei de estudar e de aprender coisas novas, adoro pesquisar, planejar e montar minhas aulas. Busco imbuir os conteúdos que ensino com esse amor pelo conhecimento. Aparentemente, meus alunos sentem isso; é o que observo durante minhas aulas.
Você tem um passatempo favorito?
Em nossa cultura, costuma-se pensar as noções de trabalho e diversão como coisas bem distintas. Os momentos produtivos, normalmente chatos e cansativos, ficam de um lado, enquanto os divertidos, normalmente improdutivos, ficam do outro, servindo justamente como descanso do trabalho. Busco subverter essa divisão, me dedicando a atividades que unem trabalho e diversão. Não me atraio por trabalhos que não sejam divertidos nem por passatempos que não sejam produtivos de alguma forma. Meu trabalho envolve as atividades que eu mais gosto de fazer: pesquisar, escrever e ensinar. Mesmo em meus momentos de “passatempo”, como assistir filmes e séries, ouvir música ou jogar videogame, também busco inspiração para minhas atividades produtivas. Por exemplo, utilizei um game (Dark Souls) como inspiração para escrever o texto desta entrevista. Em fantasia, é possível imbuir objetos comuns com magia, dando a eles propriedades mágicas. Achei que seria interessante a ideia do professor imbuir os conteúdos que ensina com seu amor pelo conhecimento, como uma espécie de magia, tornando o conhecimento algo mágico e fantástico. Faço essas pontes entre trabalho e diversão constantemente. Para mim, é como se estivesse sempre trabalhando e me divertindo ao mesmo tempo.
O que é a vida de maneira geral?
Assim como não é possível compreender bem um livro antes de lê-lo, não acho que seja possível entender o que é a vida antes de vivê-la. Ainda me considero muito jovem para discutir com propriedade sobre o que é a vida ou sobre o sentido dela. Eu sei, eu não me desgrudo da filosofia mesmo!
Você é “Made in Ceará”?
Apesar de ter nascido em Manaus, AM, sou filho de cearenses e moro no Ceará desde os 3 anos. Me identifico muito com a cultura cearense, gosto de forró, do humor cearense, da culinária, do clima, do jeito das pessoas – me considero cearense. Me orgulho muito do nosso estado estar se destacando nacionalmente, especialmente na área da educação! Acredito que temos potencial para sermos vanguarda no desenvolvimento da educação nacional, exportando nosso modelo de ensino para além fronteiras.
Fale sobre Filosofia.
A palavra “filosofia” foi cunhada por Pitágoras, filósofo grego que viveu entre os séculos V e IV a.C. Ela é o resultado da junção de duas outras palavras: “filos” (amor) + “sofia” (conhecimento). Assim, etimologicamente, filosofia significa o amor ao conhecimento. As ciências se restringem a um campo específico do conhecimento humano, fixando-se em um conjunto limitado de objetos de estudo. Já a filosofia não possui limites. É possível pensar filosoficamente sobre tudo. Nesse sentido, filosofar é o ato de questionar-se sobre si mesmo, sobre o outro, sobre a humanidade, sobre o mundo, sobre a sociedade, sobre Deus etc, além da busca constante por respostas para as questões levantadas. Por isso, para mim, a filosofia significa a sede inesgotável pelo conhecimento. Consequentemente, busco tornar minhas aulas de filosofia em um ambiente onde eu e meus alunos compartilhamos um espaço comum de pensamento em que os conteúdos filosóficos — sejam textos, autores, temas, problematizações, correntes filosóficas etc. — sejam trabalhados coletivamente, sendo analisados, compreendidos, apropriados, criticados, ou questionados.
Qual a sua história com idiomas?
Sempre quis aprender novos idiomas. Infelizmente, durante a infância e a adolescência, não tive muitos meios para isso. Na faculdade, entrei em alguns cursos de idioma. Cheguei a estudar alemão durante sete anos. Ainda assim não aprendi o suficiente para me tornar fluente. Consegui uma bolsa de estudos para estudar alemão na Alemanha durante o inverno. Reparei que lá era comum encontrar pessoas que falavam vários idiomas. Durante esse período, certa vez, eu estava saindo de um mercado quando fui abordado por um morador de rua me pedindo alguma ajuda. Disse que não o entendia bem, porque meu alemão era muito básico. Ele repetiu o que havia dito, mas dessa vez, em inglês. Eu também não falava inglês naquela época. Prontamente, ele mudou para o italiano, depois para o francês e então para o espanhol. Continuei sem entender, porque infelizmente também não falo esses idiomas. Ele pacientemente me perguntou qual idioma eu falava. Quando disse que falava português, começou a falar em meu idioma com a maior desenvoltura. Dei a ele as moedas que tinha no bolso, me sentido entranho em dar esmolas a uma pessoa mais culta do que eu. Durante esse período na Alemanha, vi que estava estudando idiomas de forma errada, focado em gramática e em decorar listas de palavras. Certamente, não foi assim que aquele morador de rua se tornou poliglota. Aprender idiomas em um país europeu, como a Alemanha, é uma tarefa relativamente fácil. Além de possuir fronteira com nove países com culturas totalmente diferentes, alguns com mais de um idioma oficial, a Alemanha conta com um fluxo constante de estrangeiros vindos de todas as partes do mundo. Caminhar pelas ruas de uma grande cidade alemã é uma imersão cultural em diversos idiomas. Foi assim que entendi como se aprende idiomas de modo natural e eficiente: se expondo ao idioma das mais variadas formas: ouvindo, vendo, lendo, conversando, escrevendo, rindo, chorando etc. De volta ao Brasil, encontrei formas de simular essa imersão, preenchendo meu dia com materiais no idioma que estava aprendendo: filmes, séries, podcasts, canais no Youtube, romances, contos e conversando em sites de bate-papo. Descobri que os poliglotas não eram necessariamente superdotados; eles apenas descobriram formas mais eficientes de aprender idiomas.
Como foi ter aula de inglês comigo?
O que mais me chama atenção no trabalho do Márcio “professor” é que ele é bastante humano. Ele realmente se importa com os alunos. Vivemos em um mundo onde as pessoas estão cada vez mais egocêntricas e individualistas. Infelizmente, isso tem contaminado nosso sistema de ensino e a relação professor-aluno, em todos os níveis educacionais. É raro encontrar professores que vão além do modelo reducionista de ensino: a mera transmissão de conhecimento, que encara o aluno como um depósito de informação e não como um ser humano completo, com sentimentos, anseios e inseguranças. Para ser completa, a relação ensino-aprendizagem precisa levar em conta não apenas o intelecto dos alunos, mas também seus aspectos psicológicos, emocionais, sociais, culturais etc. Em filosofia da educação, chamamos essa noção de ensino mais humano e abrangente de “educação integral”. As aulas do Márcio “professor” seguem essa abordagem. Nunca conversamos sobre isso, mas essa foi a percepção que tive quando fui seu aluno. Além do entusiasmo em aprender o inglês, suas aulas estimulam a imaginação, a criatividade e o pensamento crítico. O Márcio “professor” ainda vai além da função de professor propriamente dito, ele atua como um orientador, buscando conhecer o perfil e o projeto de vida dos alunos, ele os ajuda a tirar o máximo proveito do inglês dentro de seus respectivos campos de interesse e carreira profissional. É muito difícil encontrar bons orientadores até mesmo dentro das universidades, e o ele consegue exercer essa função nos seus cursos de inglês. Também sou professor e orientador. Sempre busco exercitar a educação integral com meus alunos. Sei o quanto isso é desafiador, especialmente em um país onde a educação e os professores estão longe de receberem o reconhecimento que merecem. Quando encontro um professor que exerce seu papel de educador no sentido pleno da palavra, sinto grande respeito e admiração. E você, Márcio, com certeza, é um desses professores.
(Pausa para reorganizar pensamentos e emoções depois desta honrosa declaração.)
Como você cuida de sua saúde?
Durante muitos anos, mantive um estilo de vida sedentário, sem realizar praticamente nenhuma atividade física e passando praticamente o dia inteiro sentado, estudando, lendo ou escrevendo. Comecei a desenvolver dores na coluna e nos ombros. Alguns exames mostraram que estava com um princípio de hérnia de disco e com uma leve bursite. Consultas com médicos e fisioterapeutas me ensinaram que o corpo precisa de condicionamento físico até para permanecer muitas horas sentado. Estruturas frágeis de nosso corpo, como coluna, nervos e tendões, precisam do suporte dos músculos. Em resumo, músculos pouco desenvolvidos provocam lesões. Por isso, hoje procuro aliar minha rotina de estudos a sessões diárias de musculação. Ironicamente, preciso treinar para conseguir ficar mais tempo sentado.
E quais as suas ambições para o futuro?
Na UECE, trabalhei formando os futuros professores de filosofia que iriam dar aula no ensino médio. Durante esse período, pude repensar o modo como se costuma ensinar e estudar, não apenas filosofia, mas todas as matérias em geral, durante os anos da educação básica. Sempre gostei de estudar metodologias de estudo e de pesquisa e gostaria de implementar, em turmas de ensino fundamental e médio, uma metodologia que unisse ensino e estudo em torno da noção de pesquisa. O ensino e o estudo tradicionais costumam se basear na simples memorização e repetição de conteúdo. Algo mecânico e passivo. A pesquisa acadêmica, por sua vez, se baseia na investigação em torno de questões intrigantes ainda sem resposta. Algo ativo e instigante. Aplicar os princípios da pesquisa acadêmica já na educação básica poderia não apenas melhorar a formação educacional dos estudantes, desenvolvendo neles o amor pelo conhecimento, mas também torná-los mais preparados para a universidade. Além disso, eu colocaria na base dessa metodologia as anotações de estudo. Tomar notas em torno de livros, textos, aulas, seminários, cursos e palestras é a base do estudo e da pesquisa acadêmica. Eu incentivaria os alunos a utilizarem técnicas de “sketchnoting”, que consiste em fazer anotações de estudo utilizando ilustrações, balões de texto, símbolos, estruturas e formas geométricas. Para tornar as anotações mais práticas, eu estimularia o uso de ferramentas digitais, como mesas digitalizadoras. Acredito que isso poderia trazer grandes benefícios para a educação básica no Brasil. Pretendo algum dia desenvolver algum projeto implementando essas ideias.