Sentamo-nos para conversar antes de um espetáculo local. Foram décadas de assuntos e nostalgia brotando da cabeça de Cabeto – uma fonte inesgotável de cor, estilo, causos, amizades e experiências – com toda a riqueza de divagações disponíveis no mercado! Quase perdemos o show! Por outro lado, saí enciclopedicamente mais sabido. Cabeto já foi chamado de o Primeiro Designer Cearense. Reinou exuberante, ousado e criativíssimo por mais de 40 anos até decidir fechar seu atelier ano passado. Ele despiu, vestiu e revestiu todas as nobres castas da sociedade alencarina e outras tantas pelo Brasil e além mar. Mas não se engane, ele ainda é parado na rua e nas festas para ser celebrado e elogiado por ser apenas Cabeto! Felizmente, alguns sortudos ainda conseguem que ele os atenda em casa – e com a mesma exuberância e genialidade de sempre! Vamos saber um pouco mais deste icônico homem de ares europeus, coração frenético, espírito cosmopolita e práticas espontâneas!
ARES EUROPEUS
O menino alto e franzino, nascido em Luzilândia, Piauí, filho de Raimundo Nonato de Carvalho e Maria do Rosário Castelo Branco de Carvalho, se torna um homem altíssimo, de voz grave, e com ares europeus. Quando criança, ele mesmo escolhia o tecido para suas próprias roupas até os 11 anos na loja de um tio. Desde cedo diz que já sabia que queria ver e saber mais da vida. Para sua sorte, a família veio pra Fortaleza. Anos mais tarde, bem no inicio da década de 70, o mundo começa a ouvir, ver e usar as roupas de Cabeto. Um jovem e intrépido estilista que encontra a si mesmo e o DNA de sua moda após morar em Roma e Milão e fazer inesquecíveis visitas à Inglaterra. Os anos 80 lhe foram extremamente emolduradores – cores, formas e padrões já eram sua praia há uma década. Ele, então, brilhou mais que nunca. Sua maison era palco de encontros culturais, desfiles, festas, amizades, plumas, paetês e tudo que fosse badaladíssimo na época. Sua liberdade de expressão criativa e artística ia além das paredes de sua loja. Ele queria e deveria ser visto. Seus desfiles eram em jardins, ruas, passareladas ou não – ele queria, sabia e podia ousar. Suas roupas eram predominantemente masculinas com flair de homem cosmopolita e que não aceitava limites impostos por ninguém. Muitas mulheres, no entanto, requisitavam seu trabalho com a certeza de unicidade e personalidade em cada peça. Apesar da loucura associada aos anos 80, tudo sobre Cabeto era pensado, pesado e medido. Afinal, não se é Cabeto do nada. Uma amiga e sócia estilosa foi marcante em sua vida – Wanda Palhano. A sociedade não durou muito tempo, mas foi uma experiência marcante o suficiente para que ele notasse e confiasse em sua própria força.
CORAÇÃO FRENÉTICO
Mr. Carvalho pensa, fala e age rapidamente. Suas emoções são turbinadas: ele cultiva amor, mas sabe se afastar, se há motivos e o faz sem nenhum rancor ou pudor. Cabeto sempre parece preparado para lidar com os imprevistos, pois diz ser ciente de que o impossível acontece muito mais do que se possa pensar. Sua mente parece perceber a realidade de uma forma genuinamente original. Faz leitura e releitura dos fatos da vida, alternando-se entre o puramente racional ao que é paradoxal. Munido, sim, de um espírito contestador e comportamento rebelde, ele equilibra esse seu lado com outro que é cheio de humanitarismo e altruísmo. Ele diz ter chegado a um grau especial de desprendimento. Ele gosta de participar e identifica-se com os movimentos humanitários sem, no entanto, exibir o estereótipo de caridoso ou bonzinho. Ele se orgulha de ter oferecido oportunidades de trabalho, chances de crescimento, variadas forma de auxílio, mas diz nunca se permitir criar dependências entre ajudantes e ajudados. Sua postura social visava eliminar, minimizar ou, pelo menos, denunciar as injustiças sociais, as desigualdades, os preconceitos, e atenuar o sofrimento humano, em um tempo em que não se fazia marketing pela caridade feita. Ele parece possuir uma profunda compreensão do grito da revolução francesa: “Fraternidade, Igualdade e Liberdade”. Eu diria que esse até poderia ser o seu grito pessoal, pois pelo que notei, ele acredita no potencial que temos para nos tornarmos uma sociedade melhor e mais justa. Tarefa não muito fácil, mas que bom que há esperança.
ESPÍRITO COSMOPOLITA
Um indivíduo cosmopolita pode ser alguém que considera o mundo como a sua pátria ou uma pessoa que viaja muito e se adapta facilmente a diferentes culturas e modos de vida. De igual forma, pode também ser a definição de alguém que sofreu a influência de uma cultura que não é a sua cultura de origem. Este é Cabeto. Suas viagens e experiências o fizeram um cidadão do mundo. Ele se cerca de beleza e sofisticação. Seu apartamento, ambientado por ele, revela muito de seu gosto além-fronteiras. Há pedaços de história de sua vida, arte e viagens por todos os lados – um lugar quente, aconchegante, original e vivo! Seu atelier também mostrava isso: um bangalô no coração da nobre aldeota – branco, alto e imponente – dois andares, sem muros e um farto jardim extremamente bem cuidado. Alí uma placa art deco branca com a inscrição CABETO recebia, literalmente, todo o tipo de gente para conversas sociais ou comerciais. E por falar em gente, Cabeto adora a Itália – seu segundo lar – e os italianos. Ele diz que tudo lá é moda, estilo e atitude. Tanto que até o pais tem forma de bota. Em sua opinião, é a raça mais bonita do planeta – o berço da humanidade! E continua: “A Itália nos inspira na gastronomia, na música, na moda, na estética – na vida! Tudo neles é leve e sofisticado!”
PRÁTICAS ESPONTÂNEAS
A amizade é carro-chefe dos relacionamentos de nosso entrevistado. Para ele, a amizade significa bem mais que o próprio amor. Em parte porque ele não é passional e porque definir o amor é bastante problemático. Muitas pessoas o estimam e o elegem como melhor amigo: leal, honrado, alguém em quem se pode realmente confiar – um bom ouvinte e um conselheiro cuidadoso e objetivo. Ele diz amar de uma forma jovial e desprovida de ciúmes; gosta de pessoas com quem possa trocar ideias e deliciar-se em longos papos. Na vida amorosa propriamente dita, parece que o amor é mais mental do que passional. Cabeto fala de sentimentos sérios e duradouros, sempre baseado na amizade. Embora tenha uma natureza livre, ele deixa claro que não sabe e nem gosta de viver sozinho por muito tempo.Ultimamente ele diz estar se apaixonando pela alma das pessoas – ele acredita no amor de reencontros de espíritos – não mais uma coisa de encher os olhos pela beleza física apenas. Em seus momentos de distanciamento e contemplação, ele se esconde em seu próprio apartamento, em um sítio de amigos em Caucaia ou na casa de um irmão na serra. Seus afetos estão vinculados à admiração. Ele está sempre avaliando aqueles que ama de forma criteriosa, pouco emocional e sem romantismos. No campo empresarial, sua sagacidade parece ter sido a grande responsável por salvá-lo muitas vezes de crises e fazê-lo reerguer-se enquanto muitos sucumbiram em meio às muitas situações econômicas do Brasil. Ele sabe como injetar novo ânimo, reorganizar atividades e sanear entraves. Tanto que fechou seu atelier ano passado. “Meus clientes sempre me foram fieis, mas não há quem se sustente nessas crises econômicas que nos impõem,” diz extremamente consciente de ter feito o melhor para a si e para sua marca.
CABETO HOJE
“Muitas pessoas se chocaram quando eu falei em fechar o atelier. Mas eu não quero viver de aparência. Tudo passa. Tenho consciência disso. Decidi cuidar mais de mim. Ainda tenho o dom e a sensibilidade para fazer moda, e estou disponível. As pessoas ainda podem se vestir by Cabeto. O telefone e o vigor são os mesmos.” Hoje ele se diz bem mais livre, leve e solto… “A vida simples e perto da natureza me encanta: passear no calçadão da Beira Mar, conversar com a baiana do acarajé, ver os turistas, me emocionar com a coragem e a força dos moradores de rua, ouvir as pessoas me perguntarem se sou estrangeiro. Gosto do mundo que vivo, das pessoas que se acercam a mim. Passo meus sábados à beira de uma lagoa linda com pessoas que amo, vendo o sol indo dormir. Estou bem satisfeito e sou grato por tudo que tenho experimentado da vida.”
Após a entrevista, se ouvia a voz de Michael Bublé, no sistema de som, cantando Feeling Good no exato momento que Cabeto desce as escadas para saudar os artistas no átrio principal do teatro, após o espetáculo. A música fala de leveza, de sentir-se bem, de novos começos – de uma nova era. Mantive certa distância e o percebo andando como se fosse o dono do mundo. Celebradíssimo, caloroso e acessível, ele fala com os que lhe reconhecem e faz reverência aos que não têm um rótulo para defini-lo, cultura para assimilá-lo, ou idade para tê-lo conhecido previamente. E é exatamente por isso que estou aqui ouvindo Mr. Bublé novamente – soube mais tarde que Feeling Good é a sua música favorita – e contando ao mundo sobre um resoluto e estiloso homem com mais de 40 anos de vitórias!