A ópera “Os Sete Pecados Capitais” chega a Brasília e será apresentada em três récitas: dia 20 e 27 de novembro e 04 de dezembro. Escrita na década de 1930, mas com extrema relevância para os dias atuais, a obra de Kurt Weill e Bertolt Brecht foi traduzida e adaptada do alemão para o português e se caracteriza por ser um dinâmico “balé cantado” de aproximadamente 40 minutos que conta a história de Anna, enviada por sua família em uma jornada de sete anos por sete diferentes cidades para ganhar dinheiro suficiente para construir uma casa. Ao longo do enredo, Anna se debate entre a necessidade de ganhar dinheiro e sua própria moral, e se sente extremamente dividida – tanto que ela é interpretada por duas pessoas diferentes: “A cabeça dela está nas nuvens, os meus pés no chão. Mas não somos realmente duas pessoas distintas – somos tão próximas, existe apenas uma de nós.”, diz Anna I, em uma de suas falas. Anna II tenta seguir seu coração, mas toda vez que ela é repreendida pela prática Anna I se vê cometendo um dos temidos pecados capitais – Preguiça, Orgulho, Raiva, Gula, Luxúria, Ganância e Inveja. De uma maneira atemporalmente satírica, todo o enredo da obra é construído na intenção de ironizar a disposição da sociedade de sacrificar valores em prol do ganho financeiro.
*”Jaynie Faces Her Seven Sins” por Al Molina, imagem da capa
A ÓPERA
A obra Os Sete Pecados Capitais – Die Sieben Todsünden, em alemão – foi composta por Kurt Weill para um libreto alemão de Bertolt Brecht em 1933. Foi a última grande colaboração entre Weill e Brecht com música exuberante e texto claramente provocativo. Desde o século 6, quando o Papa Gregório Magno, tomando por base as Epístolas de São Paulo, definiu como sendo sete os principais vícios de conduta: gula, luxúria, avareza, ira, soberba, preguiça e inveja. Originalmente, esta obra, especificamente, traduz as facetas de uma personagem, que a pedido de sua família viaja para cidades americanas diferentes com o objetivo de ganhar dinheiro para construir uma pequena casa às margens do Mississippi. A proposta cênica desta obra, acentua um caráter brasileiro, visto que as cidades americanas passam a ser representadas por cidades brasileiras e os pecados representados pelas moléstias sociais que o nosso povo enfrenta. A proposta cênica levanta também discussões sociais para o público e ainda democratiza questões que hoje estão mais claras através do acesso às artes. Este projeto reúne profissionais do Brasil e do mundo valorizando um caráter educativo e inclusivo da obra, de forma que desconstrua qualquer tipo de preconceito com o diferente.
A ópera é protagonizada por Anna I (CANTORA) e Anna II (DANÇARINA), traduzindo duas facetas de uma personalidade, onde a “principal” é representada pela Anna boazinha e ingênua (a dançarina), que é quem aparentemente cai nos diversos pecados de cada movimento/cidade/dança. Já a outra Anna – a Anna má (cantora), seu álter ego, é sarcástica e devotada ao seu papel, que é instigar sua outra personalidade, de qualquer forma, com o objetivo de prover dinheiro para a família construir uma casa. Os atores e cantores nesta versão adaptada querem reproduzir a ópera num contexto brasileiro, democratizando o tema e correlacionando pecados e cidades com cidades brasileiras de forma que haja uma familiarização com o tema no contexto nacional e aproxime a ópera do público. A proposta de todo o projeto é fazer uma associação as mazelas sociais que a realidade brasileira enfrenta, despertar uma consciência social e gerar reflexão. Afinal, como diz um dos cantores, “o palco não dá respostas e não define nada; apenas provoca o expectador.”
A TRADUÇÃO
Segundo o Barítono Marlon Maia, fazer a tradução de Os Sete Pecados Capitais de alemão para português foi algo extremamente excitante e que muito iluminou seus dias pandêmicos. De repente, ele diz se ver sentado atrás de um teclado pensado nas melhores palavras para compor um texto e repassar uma ideia, tarefa que lhe demandou grande esforço, mas provocou amplo aprendizado e contentamento. A tradução da obra teve como guia a adaptação do original, que se passa nos Estados Unidos, para a realidade brasileira. Marlon relata que à medida que ia traduzindo, as ideias iam surgindo e tomando forma e consistência. Por exemplo, o estado norte-americano de Louisiana se transformou na cidade goiana do entorno do Distrito Federal Luziânia e o rio Mississipi no Rio Corumbá, que com liberdade poética passou a correr por Luziânia. Tudo isso pra aproximar o público da realidade apresentada na ópera. Daí o resto lhe pareceu extremamente fácil, pois, em grande parte, discorria sobre a vida dele mesmo e de seus companheiros de profissão correndo o mundo na busca de oportunidades. Algumas vezes as cidades brasileiras escolhidas para compor o texto adaptado aparecem em razão da sonoridade, da rima ou das oportunidades de emprego que elas apresentam – como é o caso da protagonista conseguir um emprego como figurante no Rio de Janeiro, em razão das muitas telenovelas lá produzidas. Com a gastronomia listada, aparecem também clássicos da culinária brasileira – pratos simples, no geral, mas todos deliciosos e pecaminosos, segundo o tradutor. Sobre a dificuldade do trabalho de tradução, Marlon, como não se reconhece tradutor e sim um atrevido, diz que não teve muita dificuldade. “Simplesmente fui me divertindo com o texto. A dificuldade maior em relação ao material veio no momento de adapta-lo à partitura, mas aí contei com a ajuda dos competentes Aida Kellen e Rafael Ribeiro, que trouxeram muitas ideias e me ensinaram ainda mais aprendizado, que certamente usarei em traduções futuras,” alegra-se Marlon.
ORGANIZAÇÃO
Carlos Laredo, Direção Cênica
Rafael Ribeiro, Direção Musical
Manu Castelo Branco, Iluminação
Louise Caetano, Figurinista
AS PERSONAGENS
Aida Kellen, Anna I – o lado prático e cínico de Anna (soprano)
Aline Araújo, Anna II – o lado apaixonado e idealista de Anna (dançarina)
Gustavo Rocha, Mãe (baixo)
Gabriel Menezes, Pai (tenor I)
Marlon Maia, Irmão (barítono)
Rafael Luiz, Irmão (tenor II)
NOTAS
(1) O papel da Mãe atribuído à um homem é previamente definido pelos autores (Weil e Brecht). É uma forma de provocar perguntas no público.
(2) A origem dos pecados capitais vem de uma lista escrita pelo monge cristão Evágrio Pôntico (345-399 d.C.) a fim de enumerar os principais maus pensamentos que atrapalham uma rotina de práticas religiosas. Em vez de sete, essa lista era composta por oito pecados. Além dos atualmente conhecidos, havia a tristeza. Não havia a inveja, mas a vanglória (vaidade). Mais tarde, essa lista foi traduzida para o latim, sendo reescrita pelo Papa Gregório I (540-604 d.C.). Ele excluiu a preguiça, adicionou a inveja e elegeu a soberba como o pecado principal. No século XIII, Tomás de Aquino (1225-1274) recuperou a lista, incluindo novamente a preguiça no lugar da tristeza. Assim, os sete pecados tais como conhecemos hoje remontam à lista de Tomás de Aquino. Desta forma, fica claro que apesar de estarem relacionados à temática bíblica, os sete pecados capitais não são assim denominados nem listados na Bíblia. Foram criados tardiamente pela Igreja Católica e assimilados por muitos cristãos.
A explicação religiosa para a origem dos pecados na vida das pessoas: em Marcos 7:21-23, há uma passagem que lança luz sobre essa questão:
Porque de dentro do coração das pessoas é que procedem os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as maldades, o engano, a libertinagem, a inveja, a blasfêmia, o orgulho, a falta de juízo. Todos estes males vêm de dentro e contaminam a pessoa. –Marcos 7:21-23
Eugen Bertholt Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de fevereiro de 1898 — Berlim Leste, 14 de agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955. Além de dramaturgo e diretor, Brecht foi responsável por aprofundar o método de interpretação do teatro épico, uma das grandes teorias de interpretação do século XX. Uma das grandes influências no desenvolvimento desta forma de interpretação foi a arte do ator Mei Lan-Fang, que Brecht acompanhou numa representação em Moscou em 1935.
Kurt Julian Weill nasceu em uma família judaica muito religiosa (o seu pai era cantor numa sinagoga), e mostrou talento musical desde tenra idade. Estudou composição musical no Conservatório de Berlim com Ferruccio Busoni. Colaborou com Bertolt Brecht em finais da década de 1920 na produção e criação de óperas e musicais, como Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny (Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny), Die Dreigroschenoper (A Ópera dos Três Vintens) e (Die Sieben Todsünden) Os Sete Pecados Capitais.
Carlos Laredo é diretor, dramaturgo e gestor na área de artes cênicas. Fundador e diretor da companhia teatral La Casa Incierta, a companhia com o nome de maior destaque no campo do Teatro para bebês na Espanha e no Brasil, com um repertório mais de 12 espetáculos para bebês, desde 2000. A turnê dos seus espetáculos para bebês no Brasil tem sido uma novidade cultural no país sem precedentes. La Casa Incierta vem apresentando seu repertório em diversos centros culturais brasileiros: Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo – inclusive no Crato e no Juazeiro do Norte, no Ceará, como também em cidades do interior de São Paulo. No âmbito internacional a companhia realizou temporadas e participações em festivais em países como a França, Bélgica, Itália, Portugal, Holanda, Israel, Finlândia e Rússia. Ele também desenvolve projetos de teatro e de oficinas dedicados à primeira infância. Carlos Laredo tem ampla experiência na gestão de espaços públicos em Madri, no exercício de refletir sobre temas relacionados com a arte e a infância e na criação teatral. Sua presença na proposta em questão traz um refinamento estético e visual na criação da encenação.
PARA OUVIR, PENSAR – E AGIR MELHOR!