O texto abaixo é atribuído a uma parábola judaica sobre a verdade e a mentira. Entende-se por parábola uma narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia. E por ser possível perceber em situações diárias que nem sempre os cenários que nos apresentam são aquilo que aparentam realmente ser, após deparar-me com esta inteligentíssima parábola, sua transcrição pareceu-me oportuna.
A parábola
Certa vez, a Mentira e a Verdade se encontraram. A Mentira, dirigindo-se à Verdade, disse-lhe:
– “Bom dia, Verdade!”
Zelosa de seu caráter, a Verdade, ouvindo tal saudação, foi conferir se realmente era um bom dia. Olhou para o alto, não havia nuvens de chuva; os pássaros cantavam; não havia cheiro de fumaça na mata; tudo parecia perfeito. Tendo se assegurado de que realmente era um bom dia, respondeu:
– “Bom dia, Mentira!”
– “Está muito calor hoje, não é mesmo”, disse a Mentira.
Realmente o dia estava quente demais. Desse modo, vendo que a mentira estava sendo sincera, começou a relaxar, a “baixar a guarda”. Por qual razão haveria de desconfiar, se a Mentira parecia tão cordial e “verdadeira”?
Diante do calor insuportável, a Mentira, num gesto de aparente amizade, convidou a Verdade para juntas banharem-se no rio. Como não havia mais ninguém por perto, a Mentira despiu-se de suas vestes, pulou na água e, dirigindo-se à Verdade, disse-lhe, insistentemente:
– “Vem, Verdade, a água está uma delícia, simplesmente maravilhosa.”
O convite parecia irrecusável. Assim sendo, Verdade, sem duvidar da Mentira, também despiu-se de suas vestes, pulou na água e deu um refrescante mergulho.
Ao ver que a Verdade havia saltado na água, a Mentira saiu da água, rapidamente vestiu-se com as roupas da Verdade, que estavam à margem, e escapou sorrateiramente.
Finalmente notando o acontecido, a Verdade sai do rio e, por sua vez, preocupada com sua reputação, recusou-se a vestir-se com as roupas da Mentira, abandonadas ali. Certa de sua pureza e inocência, nada tendo do que se envergonhar e não tendo outra opção que lhe fosse coerente, saiu nua a caminhar de volta a cidade pelas ruas.
Desde então – aos olhos das pessoas – ficou bem mais fácil aceitar a Mentira vestida com as roupas da Verdade do que aceitar a Verdade nua e crua.
Um pouco de história e arte
Vários quadros têm personificado esta parábola através dos tempos. Várias obras literárias servem de base inspiradora para artistas que dão forma, cores e movimento a personagens e seus feitos. Um dos quadros que se destaca é a “A Verdade Saindo do Poço”, de Jean-Léon Gérôme (1824-1904), um importante pintor e escultor francês, consagrado como um dos maiores criadores de imagens do século XIX. Suas obras são quase sempre ligadas a temas mitológicos ou históricos.
As décadas de 1850 e 1860 foram as mais produtivas na vida de J Gérôme, quando o artista se destacou em diversos eventos de arte e continuou a receber convites para decorar igrejas e palácios, além de receber muitos prêmios. Em 1878, Gérôme decidiu dedicar-se exclusivamente à escultura, levando o mesmo estilo de suas pinturas para o metal e a pedra.
Jean-Léon Gérôme faleceu, em Paris, no dia 10 de janeiro de 1904, em seu ateliê. Muitos consideram Gérôme um dos artistas mais completos de sua época. Suas obras impressionam pela riqueza de detalhes e pelo uso magnífico da luz e sombras. Algumas de suas obras, como “A Verdade Saindo do Poço” (1896) se assemelham muito às fotografias, que na época começavam a surgir, tamanha a quantidade de detalhes.